Durante minha viagem no Beagle, impressionaram-me profundamente os grandes animais fósseis cobertos por armaduras semelhantes às dos tatus atuais que descobri na formação Pampeana [na Argentina]; em segundo lugar, o modo como espécies animais semelhantes se substituem umas às outras à medida que se procede para o sul ao longo do continente; e, em terceiro lugar, o aspecto sul-americano da maior parte das espécies do arquipélago de Galápagos, e especialmente o modo como diferem elas ligeiramente em cada ilha do arquipélago, apesar de nenhuma das ilhas parecer muito antiga no sentido geológico.
Era evidente que fatos como esses, bem como muitos outros, só podiam ser explicados supondo-se que as espécies se modificam gradualmente; e este assunto me obcecou. Era, porém, igualmente evidente que nem a ação das condições ambientais nem a vontade dos organismos (especialmente no caso das plantas) podiam explicar os inúmeros casos em que organismos de todos os tipos se encontram perfeitamente adaptados aos seus hábitos de vida - por exemplo, as adaptações de um pica-pau ou de uma perereca para treparem nas árvores, ou as de uma semente que se propaga por meio de ganchos ou plumas. Tais adaptações sempre me impressionaram muito e parecia-me quase inútil tentar demonstrar, por provas indiretas, que as espécies se modificaram, antes que essas adaptações pudessem ser explicadas.
Depois da minha volta à Inglaterra, pareceu-me que, talvez, fosse possível lançar-se alguma luz sobre o assunto seguindo o exemplo de Lyell, quanto à geologia, isto é, colhendo todos os fatos de qualquer modo relacionados com a variação dos animais e das plantas, tanto no estado doméstico como na natureza. Abri meu primeiro caderno de notas em julho de 1837. (...) Logo percebi que a seleção era a pedra fundamental do sucesso que o homem tem obtido na obtenção de raças úteis de animais e plantas. Mas o modo pelo qual a seleção podia aplicar-se a organismos que vivem no estado natural permaneceu, por certo tempo, um mistério para mim.
Em outubro de 1838, isto é, quinze meses depois de iniciada minha pesquisa sistemática, aconteceu-me de ler, por diversão, o livro de Malthus sobre População, e, estando bem preparado, por continuadas observações, para apreciar a importância da luta pela existência, que ocorre por toda parte, imediatamente ocorreu-me que, sob tais circunstâncias, as variações favoráveis tenderiam a ser preservadas e as desfavoráveis destruídas. Disto resultaria a formação de novas espécies. Assim, portanto, tinha eu, finalmente obtido uma teoria em que trabalhar; mas, ansioso por evitar idéias preconcebidas, resolvi não escrever por algum tempo nem mesmo o mais breve resumo dela. Em junho de 1842 permiti-me, pela primeira vez, a satisfação de escrever a lápis, em 35 páginas, um sumário muito breve da minha teoria; e durante o verão de 1844 ampliei-o num trabalho de 230 páginas, que passei a limpo e ainda possuo.
(...) No começo de 1856, Lyell aconselhou-me a escrever meus pontos de vista por inteiro e comecei imediatamente a fazê-lo, numa escala três ou quatro vezes maior do que a que adotei depois, no meu livro sobre A origem das espécies; e, assim mesmo, tratava-se apenas de um resumo do material que eu havia coletado; chegei, assim, à metade do trabalho. Mas meus planos ruíram quando, no começo do verão de 1858, o Sr. Wallace, então no arquipélago malaio, remeteu-me um ensaio sobre a tendência das variedades de se afastarem indefinidamente do tipo original; esse ensaio continha uma teoria exatamente igual à minha. O Sr. Wallace, exprimia o desejo de que eu mandasse seu trabalho para Lyell ler, caso o achasse bom. Lyell e Hooker me solicitaram que publicasse um resumo do meu manuscrito e um carta a Asa Gray datada de 5 de setembro de 1857, juntamente com o ensaio de Wallace. As circunstâncias que me fizeram concordar com essa proposta estão explicadas no Journal of the Proceedings of tha Linnean Society, 1858, página 45. De início eu não estava querendo concordar, pensando que o Sr. Wallace poderia achar tal atitude injustificável, pois, na ocasião, eu não sabia quanto era ele nobre e generoso. O extrato do meu manuscrito e a carta a Asa Gray não tinham sido feitos com intenção de publicar e estavam mal escritos. Mas o ensaio do Sr. Wallace estava admiravelmente redigido e muito claro. Não obstante, nossa produção conjunta despertou muito pouca atenção. A única notícia publicada a respeito, que me lembre, foi a do Prof. Haughton, de Dublin, cujo veredicto era que todas as novidades do trabalho estavam erradas e o que estava certo era velho. Isso mostra a necessidade de que qualquer idéia nova seja explicada detalhadamente para que chame a atenção do público.
Em setembro de 1858 comecei a trabalhar, seguindo o conselho de Lyell e Hooker, num volume sobre a transmutação das espécies, mas fui freqüentemente interompido por minha saúde precária. [...] Resumi o manuscrito, que começara em muito maior escala em 1856, e completei o volume na mesma escala reduzida. Isso me custou treze meses e dez dias de trabalho árduo. Foi publicado com o título de A origem das espécies, em novembro de 1859. Embora considravelmente aumentado e corrigido nas edições posteriores, manteve-se substancialmente o mesmo livro. Ele é, sem dúvida, o principal trabalho de minha vida.
DARWIN, C. Autobiography of Charles Darwin. Londres: Watt & Co., 1929. Frota-Pessoa, O. Biologia, Ensino Médio - Vol. 3, Scipione, 2006.